Apesar de os resultados portugueses em literacia financeira estarem ligeiramente acima da média da OCDE no plano geral, os dados revelam fragilidades profundas, especialmente em conhecimentos técnicos e proficiência adulta. Esta realidade mostra que ainda há muito caminho para avançar.
Um retrato realista de Portugal em literacia financeira
No Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa (2023) — realizado em parceria com a OCDE — Portugal obteve 63 em 100 pontos, alinhado com a média da OCDE (62,7). Os melhores resultados vieram das atitudes e comportamentos financeiros:
66 pontos no indicador de comportamentos (11.º lugar entre 39 países), com 62 % dos portugueses a mostrarem hábitos responsáveis como pagar contas a tempo
Mas a capacidade de aplicar conhecimentos financeiros básicos é inferior:
- No domínio dos conhecimentos financeiros, Portugal ficou em 21o lugar, com uma pontuação de 61 pontos, abaixo da média da OCDE (67).
- Apenas 48% dos portugueses atingiram níveis mínimos neste domínio, enquanto a média da OCDE era de 58 %.
- Conceitos essenciais, como juros simples e compostos (25 %) e diversificação de risco (47 %), apresentaram resultados fracos.
Os adultos e a lacuna em competências numéricas
Segundo o Survey of Adult Skills (2023), que avalia competências dos adultos entre os 16 e os 65 anos:
- 42 % dos adultos portugueses estão no nível 1 ou abaixo em literacia (média OCDE: 26 %), o que indica dificuldade em compreender textos simples.
- Em competências matemáticas básicas aplicadas ao dia a dia, 40 % estão no nível 1 ou abaixo (média OCDE: 25 %).
- Em resolução de problemas, 42 % dos adultos estão também no nível mais baixo (média OCDE: 29 %).
Estes números revelam que muitos adultos enfrentam obstáculos para gerir a vida quotidiana de forma autónoma — negociar preços, comparar produtos financeiros, compreender simulações ou planear orçamentos.
Finanças para Todos: uma solução que precisa de escala
O programa Finanças para Todos, da Nova SBE, foi recentemente distinguido a nível internacional pela qualidade do seu modelo de formação financeira para adultos. A intenção agora é expandir o programa a imigrantes e colaboradores de PMEs, atendendo aos grupos mais vulneráveis.
Mas ainda falta integrar esta literacia no ensino formal, onde os jovens portugueses até apresentam bons resultados – 85 % revelam algumas capacidades financeiras segundo o Programme for International Student Assessment (PISA) — o que destaca a necessidade de reforçar essa base ao longo da vida adulta.
Consequências da lacuna e caminhos de melhoria
Riscos de sobrevivência financeira comprometida
Quando grande parte da população não domina juros compostos, orçamentos ou diversificação, a gestão do crédito, os hábitos de poupança e a capacidade de investimento ficam seriamente limitados.
Oportunidades na digitalização financeira e formação contínua
Portugal já tem uma Estratégia nacional de literacia financeira digital apoiada pela OCDE, que visa capacitar a população para lidar com serviços financeiros através de meios digitais com segurança, e que deve continuar a ser trabalhada e desenvolvida.
Potencial de impacto nas empresas
Algumas grandes empresas (como IKEA e Jerónimo Martins) já implementam programas internos de literacia financeira — um caminho que pode gerar bem-estar e produtividade.
Conclusão: Uma dívida que ainda temos de saldar
Portugal pode estar moderadamente bem nos comportamentos, mas falha claramente nas competências financeiras reais. É urgente ampliar programas como o Finanças para Todos, garantir formação contínua para adultos (não só para jovens) e promover inclusão financeira digital.
A literacia financeira é uma parte fundamental da cidadania moderna: sem saber gerir finanças, arriscamos a nossa estabilidade, hoje e no futuro. O país precisa acordar para esta necessidade — e agir com urgência.